Eu me chamo Jovita
Tenho trinta e seis anos de idade
Moro na cidade
Mas... não vejo nada
Pra falar a verdade
Nunca vi nada
Nada
Nada.
Jamais vi o mar
O luar
O pomar
O bar
O raiar
O alvará
(...)
Jamais vi a noite
A natureza
A correnteza
A beleza
A nobreza
A globeleza
A Veneza
(...)
Jamais vi meu pai
Minha mãe
Primos
Primas
Sobrinhos
Tias
Cunhados
Cunhadas
Amigos
(...)
Consigo enxergar apenas por fé
Um boné
O café
O cafuné
A mulher
A colher
O rapé
O Noé
A maré
(...)
Ouço as vozes humanas
E minha cabeça cria as imagens
Isto é, os rostos das pessoas
Mas...não sei se são reais
Se são normais.
Só sei que na escuridão de meus olhos
Consigo refletir melhor que o olhar perfeito
Pois me concentro mais com facilidade
E não me atrapalho vendo tantas figuras
Como vocês que veem direitinho.
Quantas vezes peço um milagre divino
(a cura da visão)
Porém depois me arrependo
Volto atrás e...
Conformo-me assim mesmo na cegueira
Pois evito pecar através da concupiscência dos olhos
E desse jeito é bem melhor.
Eu não vejo nada materialmente falando
Todavia... sonho todas as noites
E assisto cenas incríveis
Ou indizíveis
As quais seus olhos sadios não compreenderão
Tampouco seu coração.
Sou cega de nascença
Nem sei o que é óculos
Nem colírio
Nem delírio
(...)
Sou feliz
Da maneira que Deus quis
E vivo sorridente
Tão contente
Com meu amor
Na mente
Vinte e quatro horas
Sem parar.
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