domingo, 18 de junho de 2017

O ALTO PREÇO DA SENILIDADE



Estou com oitenta e sete anos de vida
Fiz agora no mês passado
E estou passado
Por que estou abandonado
Por meus familiares.

Meus familiares se enjoaram de mim
Não quiseram mais cuidar de mim
Quando ajo como se fosse curumim
Comendo ou me lambuzando de toucinho.

Engraçado que fiz de tudo o que pude
Para criar filhos e até netos
Fiz das tripas coração
Pedi esmolas e recebi doação
Fiquei com fome
A fim de alimentá-los
A fim de amamentá-los
E o resultado...
(Lágrimas)

Quando eu gozava de saúde
Não me faltava visita
Não me faltava presente de aniversário
Recebi até um armário
Recebi perfume caro da Boticário
Mas... agora me chutaram
Colocaram-me nessa prisão
Deram o endereço errado
Para que eu jamais volte ao meu lar
O qual fora tomado
Em outras palavras: Rou-ba-do.

Acho que estou pagando os erros de outrora
Quando lá na cidade de Aurora
Deixei de amparar velhinhos e velhinhas
Que perto estavam de segurar suas velinhas
Entende?

Quando a gente é moleque
Parece que os miolos não funcionam
E cheguei a pensar que jamais ficaria decrépito
Jamais cairia em descrédito
Como me encontro agora neste exato momento
Sem entretenimento.

Vejo os outros anciãos receberem visitas de parentes
Encho os olhos d'água
Mexe a mágoa
Vêm remorsos
Dar um entalo no gogó
Lembro da vovó
Do vovô
Os quais estão de ossos brancos
E... gemo de chorar
- Ah como choro!

Vem-me à memória a Lei 10.741 ou Estatuto do Idoso
Penso numa luzinha
Penso numa esperancinha
(que não é o inseto)
Imagino o texto bonito sobre a responsabilidade
Do poder público
Da família
Da sociedade
Da comunidade
Mas... Que nada...
Reina a impunidade
O negócio é burlar
A onda é roubar
Ninguém se importa comigo
Morreu o melhor amigo
E aqui nesse triste abrigo
Só me resta a solidão
Acompanhada da depressão.

Sempre tive sonhos
Mas o sonho de ser abandonado pelos meus
Não esteve nunca na pauta
Oh! Não!
Podes crer.

A assistente social aqui da instituição já tentou localizar meus descendentes
Todavia foi tudo em vão
Parece que estão todos debaixo do chão
Estão mudos
Estão surdos
Escondidos
Abatidos?
- Oh! Não!

Não entendo por que sofro assim
Quando fui bom filho
Obedeci meus pais
Nunca deixei o país
Só por causa deles.

Futuramente o leitor saberá o preço da senectude
Por isso aconselho-te a mudar logo de atitude
- Prepare-se para sua senilidade
Você também será senil
Assim como sou.











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