ANDO CEGO

Dum dia pro outro
amanheci cego
perdi a visão
não vejo mais televisão
nem pavão
camaleão
cama
leão
(..)

Estou proibido de enxergar
vivo a mendigar
moeda pedir
sofrer humilhação
desconsideração
(...)

Só ando puxado pelos outros
sou dominado por bengala
ninguém me dar fala
algo me cala
algo me entala
então choro
(...)

Ponho óculos escuros
nem sei pra que mesmo
se nada vejo
o percevejo
o caranguejo
o queijo
o queixo
o beijo
(...)

Deixei a visão de lado
agora pratico o tato
para contato
fiz contrato
trato
eu não vejo retrato
o prato
no Crato.

Quantas topadas levo!
Meus dedos dos pés sofrem
as pedras não têm dó
caio com o rosto em pó
meu coração dar um nó
e fico só.

Nada melhor que andar vendo tudo
os dois olhos funcionando
as bilas trabalhando
mensagens ao cérebro entregando
acerca da boniteza
da natureza
da lindeza
do céu
do mar
do pomar
(...)

Quisera eu poder voltar a mirar
teu rosto admirar
a boca a cantarolar
o peito a bater
a mão a escrever.

Ando cego
perdido na vida
não vejo mais o mundo
material
espiritual
mas apenas
as penas
dos birds
que vale a pena
filmá-las
divulgá-las.

Antes eu via algum sinal
sinal de beleza
a maçã de teu rosto
de dar gosto
em agosto
o sorriso.

Atualmente
eu somente
penso
imagino
acho
perco
e talvez
quem sabe
eu retorne
a ver.

Creio num milagre
aqui no Ceará
quanto no Acre
ou no Paraná
Deus é o mesmo
de ontem
hoje
eternamente.

Ando cego
esqueci o ego
porém jamais te esquecerei
(...)